DE OLHOS ENTREABERTOS
Poemas, contos, imagens... palavras e silêncios. Mergulhos e naufrágios de AílaSampaio
quinta-feira, 31 de agosto de 2023
VIDA É LUTA
Como diz o Eclesiaste, é preciso plantar para poder colher, vivendo todo o ritual de cuidados e espera.
Aí, alguém que nunca se deu ao trabalho de enfrentar a terra árida para o plantio, que nunca se moveu pra encher uma só forminha, reclama das colheitas injustas, da falta de gelo, e passa a acreditar que toda conquista depende de uma sorte da qual nasceu desprovido... Pra mim é muito claro: na verdade, querem ter o que o outro tem, mas não querem fazer os esforços e sacrifícios que o outro fez.
Vida é luta diária, construção, olho atento... então, quer gelo? Trate de ir enchendo as forminhas!
quinta-feira, 26 de agosto de 2021
CHORO BANDIDO
A resposta nem sempre vem quando fazemos a pergunta. Às vezes até já nos esquecemos dela, quando a encontramos parada numa esquina qualquer da vida à nossa espera. Aí a gente entende que certas coisas não acontecerem é o melhor que poderia nos acontecer; que choramos e sofremos por nada!
A vida é paga no débito. Não adianta correr pra escapar. A
conta virá de qualquer jeito. Penso nisso olhando os carros passando na rua.
Estou anônima na janela do meu quarto, imaginando a história de cada pessoa que
está dentro deles. O que temos em comum? O medo da vida? A coragem de assumir
que somos uma fotografia desfocada de nós mesmos? Quantos não sabem disso...
Toca “Choro bandido” e coloco mais vinho na taça. Quero me
afogar na voz do Chico, pois, como os cegos, posso ver na escuridão. Há um abismo em que caem todos os meus
sonhos. Conto-os, um a um... A resposta
que a intuição quis antecipar me espera na esquina. Decido não ir até lá e
deixo a conta para o próximo mês. Encho
mais uma taça de vinho e faço uma selfie em boa resolução... Desfocada é a vida,
não eu.
Aíla Sampaio
Mulher é desdobrável
Sobra para a mulher, que se desgasta e se estressa, mas assume suas demandas ainda sem poder. Suas jornadas são múltiplas e intensas, sem direito a trégua. E ainda dizem que elas são as culpadas, pois fizeram essa escolha, que permitiram. Talvez até tenham permitido, sim, certos abusos, mas não optaram por trabalhar muito e estarem presentes na vida dos seus filhos, sobretudo quando crianças, ensinando tarefas, levando para a escola e outras atividades, conversando, cuidando, educando. Fazem isso porque precisam e, na maioria das vezes, não têm com quem dividir, mesmo o parceiro estando em casa (e querendo a disposição dela todas as noites). Djavan fala muito dessa fase, quando canta: “sabe lá o que é não ter e ter que ter pra dar...”.
Mas isso não faz da mulher uma heroína. Nem uma mãe especial. Ela é sobrecarregada. E continua sendo quando os filhos crescem e tantos outros problemas da vida em comum e das demandas de trabalho aparecem. Continua acumulando funções, embora em outra fase. Faz mil coisas ao mesmo tempo e, no dia em que deixa de fazer uma ou reclama, é julgada. É considerada estressada, tóxica. Há quem não entenda que ninguém bate o carro porque quer; ninguém toma atitudes drásticas em momentos extenuantes porque quer, ninguém chora de desespero porque está bem. Tudo isso é reflexo da sobrecarga, da corda esticada que se rompe. Mas às mulheres não é dado esse direito. Se gritarem, são ditas histéricas; até dizem que são mal amadas. E de certa forma são.
Por isso hoje eu já chego batendo o pé na porta pra conseguir
entrar em meu mundo sem culpa. Chega uma hora na vida em que a opinião dos
outros tem pouco peso. Ela choca, magoa, mas bate e volta. A tecla do “dane-se”
se instala aos poucos na pele grossa de tanto apanhar da vida. Aí a gente quer perto apenas quem
soma. Não importa o que pensem, afinal, o que o outro pensa não
muda o que somos, a verdade do nosso coração. Como dizia o Rubem Alves, "não quero
ter razão, só quero ser feliz". No meu caso, transmuto tudo com a Chama Violeta e evito engatar a ré... Sigo em frente pregando paz e amor, mas fazendo guerra quando é
necessário. Afinal, nasci mulher! E mulher é desdobrável, né, Adélia? Eu sou!
Aíla Sampaio
quinta-feira, 13 de maio de 2021
Devo ter nascido numa noite de tempestade. Fiz-me de todos os tumultos que varriam a escuridão: dos furacões que assanhavam as telhas, da fome dos bichos no curral, do desespero dos galhos vergados e do uivo do vento a arrastar-me ao medo de nunca poder acordar.
Mas acordei para sentir os odores da terra molhada, do mato
pisado, dos currais ensopados de esterco. Acordei para pisar a lama das veredas e enfrentar a
correnteza dos riachos. Fiz do medo um impulso e me joguei quase sem pensar nos
abismos que temia. Não, eu não tinha coragem. Eu simplesmente não tinha a opção
de não me jogar.
Aíla Sampaio
sexta-feira, 7 de maio de 2021
Então, a minha luta diária é sobreviver ao mundo e a mim mesma. Não me sobra tempo pra me preocupar com a contagem cronológica dos anos, até porque ela não afere a minha idade. Sou uma alma antiga, que conhece os desvãos de cada instante pelos olhos da menina que conservo em mim.
Guardo cada punhal que me cravaram, cada flor que recebi, num porão imaginário que, de vez em quando, abro pra limpar. Descobri cedo que sou o resultado das minhas escolhas e escolhi guardar no meu coração somente o que foi bom. De tanto polir os punhais com as palavras, eles perderam o fio de corte. De tanto regar as flores, a primavera me habitou... Assim, equilibrando-me na gangorra e inventando coragem, sem nem sempre vencer as apostas, mas sempre no jogo, reinvento-me e floresço todos os dias, à espera de um disco voador que me capture...
domingo, 5 de julho de 2020
Não existe um novo normal
quinta-feira, 28 de maio de 2020
DE SAPATOS NOVOS
ela deixou a atenção que ele não lhe deu,
os telefonemas que não retornou,
e a vontade inútil de vê-lo com vontade dela...
Largou a caixa vazia nos desvãos das horas
e seu cheiro de flores.
Sem vontades inúteis, olhou a paisagem de festa
e viu as respostas do tempo em seus sapatos novos…
depois jurou que teria cuidado
para não os perder na escadaria errada
quarta-feira, 27 de maio de 2020
TUA VERDADEIRA PÁTRIA
e enfrentaria a fúria de Posseidon
para que tu cruzasses o mar,
e pudesses chegar ao meu país.
PELA FRESTA
Aíla Sampaio
À ESPERA DE UM ECLIPSE
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Já me incomodou mais esse ininterrupto barulho do mar, remexendo minha memória. Esse silêncio intempestivo da clausura, sim, continua me imp...