sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Pretérito perfeito





Eu te amei além das datas e dos horários
todos os dias úteis e feriados
sem presente, futuro ou passado;
amei-te desde sempre e em todos os momentos
como ontem e em todo o calendário.
Eu te amei na solidão do dia infinito
e nas longas noites de desalento.
Amei-te no encontro e na separação
nas palavras que diminuíam as distâncias
e no silêncio que apressou as passadas do tempo.

Como quem não sabia viver de outro jeito
eu te amei sem salvação e sem remédio.
Acendi velas, fiz orações e unguentos
fiz promessas, usei armas de guerra,
mas nada te arrancava do meu pensamento.

Até que a vida, com seu passo marcado,
fez da nossa história um sonho desfeito...
De tudo ficou apenas a natureza da memória
e o verbo amar no pretérito perfeito. 

Aíla Sampaio





sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Quem sabe?





Um dia, tu me responderás sem que eu pergunte
e eu entenderei sem que me expliques.
Um dia, olharemos nos olhos do outro
e veremos a nossa própria imagem refletida
como num espelho.

Um dia....quem sabe?!


Aíla Sampaio







quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Pra quando o outono chegar






Ele habita os meus sonhos desde a primavera; desde que passou a amanhecer em meus pensamentos, como um jardim que recebe a aurora ainda orvalhado. Sua presença arranca toda a erva daninha do meu sorriso e joga sementes pelo caminho, para que possamos florescer juntos quando o outono chegar.

Aíla Sampaio



Uivos do passado





Quero morar em ti, erguer paredes de afeto
e dormir de portas abertas para o mar.
Ancorar meus pensamentos em teus olhos
e abrir uma fresta no tempo
pra escutar os uivos do passado em que te deixei.

Quero voltar os ponteiros do relógio,
refazer o calendário e criar a eternidade
para que não sejas mais apenas um retrato
ou palavras soltas na pele do meu poema!

Aíla Sampaio







Antes a solidão







Chega-se a uma fase da vida em que os subtextos e as entrelinhas das situações saltam aos olhos, em que não se tem mais tempo para esperar indefinidamente, nem disposição para ficar em standy by. Nada de obscuridade ou indefinição; nada de joguinhos ou aventuras arriscadas demais. Poucas concessões e inúmeras restrições; muita intolerância a descasos, à falta de consideração e afins. E a certeza das certezas como um mantra: se não se pode ser prioridade, se não se pode estar em primeiro plano, que não se esteja em nenhuma posição. Antes a solidão bem resolvida ao desassossego de uma relação em descompasso de vontades e sentimentos.

Aíla Sampaio 





sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Quero







Quero de volta os quintais bem varridos da minha infância, suas árvores frondosas fazendo sombra sobre o meu cansaço. Quero o cheiro das mangas rescendendo na paisagem e o abraço do vento em meus cabelos que já foram longos, da cor das pitombas que caíam sobre a minha cabeça. Quero voltar a morder goiabas colhidas no pé, catar azeitonas no chão, vigiar as atas amolecendo na fruteira... Quero arrancar folhas de bananeira para amarrar as pamonhas, raspar o tacho do doce de leite, roer as siriguelas maduras e chupar laranja aos gomos. Quero os riachos escorrendo em meus olhos e meus pés afundando na areia movediça dos sonhos; quero a madrugada silenciosa subindo nos punhos da rede e o barulho da chuva no telhado escrevendo poesia em meus ouvidos... Quero todas as veredas da serenidade que perdi ao deixar para trás as coisas pequenas para viver a ilusão das grandes.

Aíla Sampaio



De nuvens e ventos










Sou feita de nuvens e ventos,
de um tecido inconsistente
que não aceita dobras nem costura.
Fiz minha casa nas linhas tortas do tempo,
depois me fiz dormente
qual uma foto aprisionada numa moldura.

Tudo inutilmente

pois nada consegue me poupar das paixões que invento.



Aíla Sampaio

(Pintura de Pakayla Biehn, artista americana que produz pinturas hiper-realistas a partir de fotografias)