segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Rio sem afluente



Lembro-me dela menina, da displicência que sempre sujava a toalha da mesa, dos gritos da mãe a lhe despertarem as culpas que carrega até hoje. Na pele salpicada de estrelas, havia um céu perdido antes do tempo e um medo da vida disfarçado em impetuosidade. Cresceu à margem de si mesma, contentando-se, suportando, fechando os olhos pro que não dava pra ser. Foi-se esquecendo dos jardins floridos dos seus sonhos, dos quintais bem varridos de sua infância, dos amores que não vingaram. Fez-se solidão e poesia com as sobras do que poderia ter sido. Sobreviveu aos próprios enigmas, mas não à nostalgia de sua alma. Do lado de fora, um sorriso de contentamento, uma fortaleza à beira do mar. Por dentro a gravidade de tudo, a fragilidade dos cristais, os rios sem afluentes.

Aíla Sampaio 

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