sábado, 13 de fevereiro de 2016

Coração em carne viva








Piso o asfalto molhado sem sapatos e saio a correr sobre as lembranças que o cheiro de chuva me traz. Sou outra vez a menina do meu pai, descabelada e austera, disfarçando as lágrimas em sorrisos para não perder a pose. Ah, como chorava atrás da porta aquela menina para que nem ela mesma visse! Como demorou a admitir sua alma azul, sua delicadeza de pássaro sem asas! Cobria com silêncios seu coração em carne viva, escondia as chagas das suas mãos em poemas, soterrava em solidão as fraturas expostas da alma. Mas algo dentro dela voava pelo infinito e tomava novas formas com a fome de vida que avançava em seus desejos, como uma luz que atravessa a escuridão. Ela continua pisando duro e olhando firme, mas aprendeu a dizer que ama quem ama, a esvaziar-se das mágoas, a perdoar e a perdoar-se, defendendo-se dos reveses da vida, mas não mais de si mesma.


Aíla Sampaio

Para sempre ou nunca mais


Recomeço